Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 50% dos futuros pacientes com diagnóstico de câncer irão evoluir para o quadro de fora de possibilidade de cura. Mesmo em fase terminal, a qualidade de vida desses pacientes pode ser mantida em níveis satisfatórios, através de técnicas utilizadas em Medicina Paliativa.
Algumas doenças degenerativas, particularmente o câncer, apresentam sintomas decorrentes da patologia de base, muitas vezes insuportáveis, confinando os pacientes que evoluiram para o estágio terminal a um modus vivendi fora de qualquer condição aceitável dentro da medicina atual.
Não há dúvidas que a medicina moderrna tem travado e vencido muitas batalhas na guerra contra o câncer, mas há um universo considerável de doentes para os quais essa luta não faz o menor sentido, já que as principais conquistas se aplicam numa fase inicial da doença. Para esses pacientes, fora de qualquer possibilidade de cura, resta o sepultamento em vida e o confinamento a um leito, sofrendo os efeitos colaterais de um mal incurável.
Dados da OMS revelam que 80% dos portadores de câncer avançado terão dores intensas e insuportáveis na fase terminal da doença. Outros sintomas como tosses, soluços, diarréias persistentes, ulcerações tumorais com mau cheiro, vômitos incoercíveis, infecções micóticas orais e bacterianas secundárias do tumor e do trato gastro intestinal, entre outros, também estarão presentes na fase terminal.
A Medicina Paliativa tem dado importante contribuição na amenização desses sintomas. A definição mais aceita no meio clínico para medicina paliativa é exatamente aquela encontrada nos dicionários médicos para o termo paliativo (do latim palliatus: encobrir, mascarar; de palliun, manto, capote, disfarce): que alivia, que mitiga, mas não cura.
Sem a pretensão da cura (pela sua impossibilidade), a meta principal é proporcionar o máximo conforto possível, dentro da vida remanescente do doente, dando ênfase ao controle adequado destes sintomas e aos aspectos emocionais, espirituais, sociais e familiares do paciente.
Uma das maiores autoridades mundiais no assunto, o Dr. Robert Twicross, catedrático da Universidade de Oxford e chefe dos programas educativos da OMS, nesta área,
definiu assim a medicina paliativa:"Medicina Paliativa é uma atividade que visa tão somente maximizar a qualidade de vida remanescente de pacientes fora de posssibilidade de cura e de seus familiares, usando técnicas que aumentam o conforto mas não aumentam nem diminuem a sobrevida do doente".
O universo de pacientes assim classificados representam 85% dos casos que tem necessidade de cuidados paliativos. Os demais são portadores de moléstias neurológicas degenerativas e progressivas, como o Alzheimer, Koréias, Miopatias graves que evoluem para o óbito ou moléstias reumáticas graves em fase terminal.
Baseada em técnicas desenvolvidas especificamente para pacientes terminais, a Medicina Paliativa pode proporcionar alto grau de qualidade da sobrevida, já que ela não visa a mudança da história natural da doença em si, mas as complicações, intercorrências e sintomas desconfortantes que essa moléstia vai produzindo no decorrer da sua evolução.
"O controle adequado de sintomas decorrentes do câncer é a principal meta. Dependendo do tipo de tumor, da sua localização, do tamanho da massa e da idade do paciente, ele vai ser mais ou menos produtor de desconforto. São estes fatores que irão influenciar num maior ou menor grau de sofrimento físico", explica o Dr. Antonio Carlos de Camargo A. Filho, chefe do Centro de Terapia da Dor e Medicina Paliativa do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú, São Paulo.
A carga de cuidados paliativos é normatizada pela própria OMS: quando o paciente está numa fase de tratamento curativo, ele recebe pouquíssimos ou nenhum cuidado paliativo. Na medida em que o tumor começa a evoluir para uma fase avançada, ainda se fazem outras tentativas terapêuticas oncológicas, mas paralelamente, os cuidados paliativos são intensificados. "Essa evolução é muito importante e deve ser progressiva para manter o máximo de qualidade de vida desse paciente em todos os estágios da doença", diz o Dr. Camargo.
O controle ideal dos sintomas corroborado por estudos controlados com todo o rigor científico presente nas pesquisas médicas é variável e pode ter maior ou menor sucesso. Na maioria dos casos, em torno de 80 a 90%, é considerado satisfatório pela equipe de medicina paliativa e Terapia da Dor do Hospital Amaral Carvalho.
Com a instituição dos hospices modernos (Centros Terapia da Dor e Medicina Paliativa) a partir dos trabalhos da médica inglesa Cecily Saunders, vários centros na Inglaterra, Canadá, EUA e Austrália - países mais tradicionais na criação dos hospices - começaram a levar a efeito pesquisas para descobrir as técnicas mais adequadas e mais eficientes no controle de sintomas colaterais, responsáveis pelo desconforto do paciente em fase terminal.
Uma enfase grande é dada ao suporte emocional e espiritual do paciente e seus familiares não só pelo médico , mas pelo demais membros da equipe como enfermeiros, psicologo, voluntários e religiosos, pois o processo de morrer não deve ser lidado só de forma técnica, envolvendo questões espirituais e filosóficas.
Entidade em franco crescimento no contexto internacional, a Medicina Paliativa é pouco disseminada no Brasil, sendo conhecida por um universo ínfimo de profissionais. Sua importância, porém, é indiscutível. A OMS prevê um crescimento inevitável de casos de câncer nos países em desenvolvimento, em sua maioria destituídos de programas educativos e de prevenção das moléstias degenerativas. Uma vez que a estrutura de tratamento de câncer ainda é insuficiente, esses países não darão conta de tratá-los, fazendo com que cerca de 50% deles evoluam para o estágio terminal da doença.
"A estrutura de diagnóstico precoce e de medicina preventiva de câncer nos países emergentes, ainda é uma estrutura insuficiente para prevenir o crescimento dessa doenças. A OMS manifestou ser a Medicina Paliativa a única resposta possível para a multidão de pessoas que terão câncer na condição de pacientes fora de possibilidade de cura dentro de seis ou oito anos", revela o médico.
A preocupação com o aumento de casos de câncer sem possibilidade de tratamento curativo já atingiu as esferas mais altas da medicina mundial, fazendo com que a OMS não apenas preconize, mas estimule o crescimento de profissionais e de equipes especializados em Medicina Paliativa. Através da Cancer Unit, a entidade organiza, anualmente, dois cursos intensivos na International Schooll For Cancer Care, no San Peter’s College, em Oxford, dirigido a médicos de todo o mundo.
Na Inglaterra - país precursor dessa prática e que serve como modelo de serviços que deram certo dentro dessa área médica - a Medicina Paliativa é reconhecida pelas entidades reguladoras da medicina há 38 anos.
"Os resultados obtidos do ponto de vista do conforto físico, espiritual e psicológico para o paciente e pelo baixo custo em relação a terapias convencionais visando cura como a quimioterapia e radioterapia, são um argumento poderoso para que se invista na formação de novos profissionais", reafirma Camargo.
O fator humano
Com a normatização dos procedimentos em medicina paliativa, os médicos passam a reconhecer um direito inalienável do processo de morrer do paciente terminal.
"A comunidade médica e de paramédicos têm dificuldade em lidar com o processo de morrer. Muitas vezes queremos tirar desse indivíduo o direito de morrer da maneira que ele quer, junto com sua família e com seus amigos, inclusive com a possibilidade de fazer uma reflexão sobre a finitude e encerramento da sua vida com todo ritual que se faz necessário nesse momento, mas que a medicina tecnológica e institucional insiste em tirar ou negar ao paciente que está morrendo.
Esse era um quadro muito comum antigamente, quando a expectativa de vida da humanidade não ultrapassava 40 anos e o processo de morrer estava muito presente no meio da sociedade, mas com a evolução da ciência, a longevidade humana também cresceu, fazendo com que o processo de morrer ficasse oculto dentro dos hospitais. Hoje temos pressa em nos livrarmos dos moribundos e mortos, pois estes não são mais consumidores e fazem com que familias inteiras parem por algum tempo de produzir e consumir. A nossa sociedade não admite as pausas naturais da vida tanto biológica como de reflexão existencial"
A EQUIPE DE UM HÓSPICE
Médico | Especialista em Medicina Paliativa e Terapia da Dor |
Enfermeira | Para Cuidados Paliativos; profissional mais importante da equipe |
Terapeuta Ocupacional | Responsável pela manutenção funcional, estimulação sensorial e motivacional do paciente; visa concentração em atividades ocupacionais e laborativas diminuindo o foco de atenção do paciente em relação à sua doença e sua evolução. |
Psiquiatra ou Psicólogo | Profissionais que avaliarão o perfil psicológico do paciente, seu estado emocional atual, sua capacidade de enfrentamento da doença, oferecendo ferramentas para o paciente e familiares para um lidar mais natural com a situação da finitude de uma vida. |
Fisioterapeuta | Profissional voltado para a reabilitação do paciente após um surto de dor incapacitante, estimulação da capacidade funcional residual do paciente. Exercícios e massagens visando melhor drenagem de edemas. |
Assistente Social | Elemento importante como elo de ligação entre o hospice, a família, o doente e a comunidade. Importante para a coordenação dos voluntários. |
Voluntários cuidadores | Trabalhando com a enfermagem e terapia ocupacional, auxiliando no banho dos pacientes, transporte de casa para o hospice e vice versa, ouvindo o paciente e seus familiares e auxiliando no transporte de cadeira de rodas e macas. |
Voluntários de Campanha (Funds raising) | Não trabalham em contato com os paciente, mas trabalham junto à comunidade para levantar fundos para o funcionamento e melhorias do hospice. (50% dos fundos dos hospice ingleses são oriundos de campanhas). |
Religiosos | Devem ser bem vindos de qualquer credo, para dar suporte espiritual ativo ao paciente e familiares. Sempre respeitando o credo da familia e do doente. |
Familiares | Devem ser participantes ativos da equipe, embora não devam ser sobrecarregados de informações e cobranças. |
Técnicas utilizadas
Dentro da Medicina Paliativa, existem quatro tipos de procedimentos utilizados para proporcionar um bem estar ao paciente oncológico em fase terminal: intervencões medicamentosas e não medicamentosas e as intervenções cirúrgicas heróicas e paliativas. Para melhor compreensão, relacionamos quadros clínicos diferentes e a possibilidade terapêutica pertinente a cada um deles.Cirurgia Heróica | Quando o paciente apresenta uma metástase única numa determinada vértebra da coluna que provoca um intenso desconforto e restrição de vida ativa. Esse paciente tem um progronóstico de sobrevida relativamente alto e todos os tratamentos convencionais para aquela metástase redundaram em fracasso. Então opta-se pela Cirurgia Heróica, que não visa a extirpação desse tumor, mas simplesmente, sua retirada daquela localização para amenizar a dor naquela região e possiblitar a manutenção funcional do paciente. |
Intervenção Medicamentosa | A técnica utilizada na unidade hospice de Jaú para tosses incoercíveis oriundas de irritação brônquica causada por tumor, por exemplo, é a inalação de anestésico local. Pode ser a droga Buquivacaina a 0,5% a cada seis horas, ou Xilocaína a 2%, 5 ml a cada quatro horas. Esse procedimento bloqueia a tosse persistente e de fundo irritativo. |
Intervenção não medicamentosa | O paciente está internado e apresenta muita ansiedade, insônia e percebe-se que o problema é existencial, de fundo psicológico, próprio de alguém que está lidando diretamente com a possibilidade de morrer. Não há medicamento eficaz mas pode-se minimizar este sintoma através da Terapia Ocupacional, que vai desenvolver atividades no leito ou no centro de terapia ocupacional visando trabalhos que exijam concentração, mudando o foco de atenção do paciente antes só voltado para si e sua doença, para atividades criativas e produtivas (artesanato, pinturas, música e outras). Fazer sentir-se útil até o último instante da vida. Apoio psicológico e espiritual através de todos membros da equipe, incluindo psicólogos, voluntários e familiares. |
Principais barreiras
Um dos maiores problemas para o crescimento de hospices, centros especializados em Medicina Paliativa, no Brasil, é a falta de disponibilidade de literatura sobre o assunto, geralmente encontrada somente na Europa e Estados Unidos. Para suprir essa carência, temos a necessidade da realização de cursos, programas educativos e congressos sobre o assunto."Se organizássemos dois eventos por ano seria suficiente para, a médio prazo, conquistar a simpatia de outros profissionais para a Medicina Paliativa", diz o Prof. Camargo. Ele ressalta, também, que os centros que contam com experiência devem abrir suas portas ao treinamento de equipes de profissionais de outras especialidades.
"Um curso de um ano nesses centros seria suficiente para fazer uma boa formação de médicos , enfermeiras, psicólogos e demais participantes de uma equipe para desenvolver o serviços em suas localidades", finaliza.
No tocante ao Estado, há uma idiossincrasia impossível de ser compreendida. O Sistema Único de Saúde (SUS) reconhece o diagnóstico: fora de possibilidade terapêutica, entre seus procedimentos de internação, mas curiosamente, os centros oncológicos estatais ou conveniados com o SUS não podem internar estes pacientes com aquele diagnóstico, pois este diagnóstico é exclusividade dos hospitais de retaguarda, onde sabidamente estes hospitais não têm estrutura de hospices.
"Outro ponto importante é a alocação de recursos para pacientes com possibilidade de cura e para os com câncer avançado, pois se o paciente terminal estivesse recebendo os cuidados paliativos pertinentes às necessidades dele (de baixo custo) em vez de estar recebendo quimio e radioterapia com alto custo, esse dinheiro poderia ser utilizado para pacientes com maior possibilidade de cura", desafia.
Ao mesmo tempo, a internação pelo diagnóstico da moléstia de base para tratamento clínico nas unidades hospices emergentes tem um custo muito alto, trazendo prejuízos aos centros.
"É necessário que o SUS reconheça os custos desses pacientes e comece a repassar uma cobertura para esses gastos, valendo lembrar que o número destes paciente tende a ser crescente".
O raciocínio utilizado para explicar sua tese é simples: cerca de 50% dos pacientes oncológicos vão evoluir para a condição de terminais, implicando em tratamentos paliativos absolutamente necessários que, no entanto, não estarão acessíveis à maioria dos doentes.
A terapia de radio e quimioterapia nos pacientes terminais revela-se ineficaz e, além de empobrecer radicalmente a qualidade de vida de quem se submete a ela, apresenta uma conta onerosa para a sociedade e para o contribuinte. No entanto, o SUS continua pagando. Com as eventuais transferências - devidamente remuneradas - para as unidades hospices, os centros oncológicos poderiam aumentar a oferta de leitos para tratamento curativo.
O crescimento da entidade no Brasil é bem mais difícil do que se imagina e está aliado a outra realidade desestimulante: a falta de estrutura (ou de interesse) das universidades brasileiras em formar profissionais qualificados:
"Poucas escolas no Brasil contam com a disciplina de oncologia, quanto mais com a de medicina paliativa".
A gravidade de uma resposta assustadora a uma pergunta simples revela a faceta mais obscura de um País de educação pobre: dentre as universidades que oferecem a disciplina de oncologia no Brasil, apenas duas implantaram cursos de Medicina Paliativa no currículo: a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina) e a Faculdade de Medicina de Sorocaba.
"São esforços de grande valor e que sem dúvida trarão muitos benefícios, mas são atitudes individuais, vozes isoladas. Acredito que as sociedades oncológicas no Brasil estejam sensibilizadas para esse problema. Já se discute muito nos cursos e congressos de oncologia a terapia da dor e os cuidados paliativos, de modo que, creio, a oferta de hospices deva crescer nos próximos anos", conclui o especialista.
Os principais sintomas
O "inferno terreno" do paciente terminal pode ser compreendido pela quantidade de sintomas que se avolumam com a disseminação do tumor. As porcentagens entre parênteses revelam o universo de pacientes que apresentarão tais efeitos:Perda de peso (77%), Anorexia (67%), Dispnéia (51%); Náuseas e vômitos incoercíveis (40%) ; Dores intensas ou intoleráveis ( 71 a 80%) ; Tosse (50%), Obstipação (47%) Astenia (47%), Diarréias persistentes (20%) ; Alucinações e insônia (29%) ; Ulcerações tumorais com mau cheiro (19%); Hemorragias (14%), além de outros de menor freqüência.
Medicina paliativa x Eutanásia
O Brasil é realmente um país curioso, e em um grande número de situações importa de países mais avançados bens de consumo e até discussões filosóficas fora do tempo adequado para tais situações. Dentro da medicina temos inúmeros exemplos e um deles é a discussão da eutanásia. Pelas razões que irei apresentar fica evidente que esta discussão no presente momento é extemporânea.
A longevidade de nossa população vem aumentando e consequentemente as doenças degenerativas passam a acometer maior número de brasileiros e dentre estas moléstias ocupando destaque, está o câncer. Só no estado de São Paulo morrem por ano 18 a 20 mil portadores de câncer (dados da Fundação Oncocentro do estado de São Paulo).
Daqueles cancerosos segundo a Organização Mundial da Saúde (O.M.S.) em torno de 80% deles terão dores intensas e intoleráveis nos últimos 3 meses de vida, sem contar um grande número de outros sintomas desconfortáveis como a dispnéia intensa, tosse incoercível, soluços persistentes, ulcerações com mal cheiro além de muitos outros de acordo com o estudo feito por Robert Twycross catedrático de Medicina Paliativa da Universidade de Oxford.
Paliativo vem do latim pallium que quer dizer manto, capote e disfarce. Os Cuidados Paliativos "cobrem, disfarçam" os sintomas que pioram a qualidade de vida dos pacientes com tratamentos que objetivam tão somente o paciente e sua qualidade de vida remanescente. A Medicina Paliativa oferece cuidados ativos totais para pacientes e suas famílias a partir de um grupo multiprofissional em uma fase na qual o paciente não terá possibilidade de cura.
A meta dos cuidados paliativos é a mais alta e possível qualidade de vida para o paciente e sua família. A Medicina Paliativa dá respostas às necessidades orgânicas, psicológicas, sociais e espirituais do paciente terminal. Isto se estende ao período de luto da família com suporte à esta. Os Cuidados Paliativos afirmam a vida e respeitam o morrer como um processo normal, não acelera e nem retarda a morte , promove o alívio da dor e de outros sintomas desconfortantes (Robert G. Twycross).
Ainda, a O.M.S. alerta para uma epidemia de canceres nos países em desenvolvimento em decorrência do aumento da longevidade da população, poluição, hábitos inadequados de higiene e da falta de programas educativos eficazes para a prevenção e detecção precoce dos tumores malignos nestes países levando em conta o enorme ônus que será o investimento na tentativa de terapêuticas curativas para os portadores de câncer já em fase avançada.
A Câncer Unit da O.M.S. preconiza e está levando a efeito programas educativos e de treinamento de equipes de Cuidados Paliativos, pois acredita ser a curto e médio prazo a única resposta satisfatória ao grande número de cancerosos que advirão nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento.
A Sociedade Brasileira para Estudo da Dor há 2 anos atrás estimava que ao redor de 5% dos paulistas com câncer avançado estariam tendo acesso à Clínicas de Dor, sendo que uma portaria do Ministério da Saúde regulamenta e impõe a necessidade da existência destas clínicas em todos Serviços de Oncologia em nosso pais, caso queiram o reconhecimento destes Serviços pelo Ministério.
Devemos enfatizar que dor é apenas um dos sintomas desconfortantes e estressantes dentro de uma constelação de sintomas que compõem o inferno terreno de nossos cancerosos. Vale lembrar que além do câncer temos muitas outras doenças degenerativas que estão relacionadas com a senecênscia, (nos hospices ingleses 85% dos pacientes são cancerosos e os 15% restantes são senis ou portadores de doenças neurológicas progressivas). No Brasil os pacientes tanto os de famílias abastadas como os de carentes não contam com uma estrutura de Medicina Paliativa para controle de seus sintomas desconfortantes na fase terminal de suas vidas.
Citaremos alguns números de outros países, para fazermos uma analogia com a situação do desamparo dos nossos doentes terminais ou fora de possibilidade de cura. Como exemplo a Inglaterra com 10 milhões a menos de habitantes do que o estado de São Paulo conta com 472 hospices (centros de terapia da dor e medicina paliativa) os Estados Unidos da América conta mais de 2 mil.
Há 8 anos atrás uma pesquisa revelava a existência de clínicas de terapia da dor em 48% dos hospitais da costa leste e 36% da costa oeste dos Estados Unidos. No Brasil no momento estamos com no máximo 5 iniciativas de hospices e 43 Clínicas de Dor. Consumimos ao redor de 100 quilogramas de Morfina para fins médicos no Brasil ao passo que só a Inglaterra consome acima de 1800 quilogramas.
Outro dado importante trata-se das solicitações de eutanásia em países como Austrália, Canadá e nos Estados Unidos, que contam com boa estrutura de Medicina Paliativa e hospices para seus pacientes terminais, não havendo aumento daquelas solicitações apesar de sua liberalidade, em vez disso, na Holanda onde a eutanásia veio antes da Medicina Paliativa, a prática daquela persiste e tem aumentado uma vez que a eutanásia resolve pelo menos o desconforto do médico e da familia diante do sofrimento paciente terminal desasistido.
Hoje com 15 anos de experiência, após minha formação em Centros de Terapia da Dor e Medicina Paliativa (hospices: nomenclatura adotada pela O.M.S.) na Inglaterra, com técnica adequada e equipe multidisciplinar devidamente treinada para avaliação, controle de sintomas e terapia da dor tecnicamente correta, lembro de vários pacientes que no ápice dos seus sofrimentos me procuravam e pediam para dar um fim (eutanásia) no seu padecer. Era a primeira consulta, internava-os em nosso Serviço e iniciávamos as técnicas de analgesia e controle de sintomas e no dia seguinte visitando seus leitos surpreendíamos eles tomando seus desjejuns com largos sorrisos estampados em seus rostos e diziam: Doutor esqueça aquele pedido que fiz ontem !
Há mais de 38 anos a Inglaterra conta com cursos de especialização em Medicina Paliativa e de Cuidados Paliativos para enfermagem, regulares e reconhecidos pelo British Medical Council. Aqui estamos, apenas iniciando as discussões para instalação desta matéria médica no currículo de nossas escolas médicas e de enfermagem. Além da maioria dos médicos e enfermeiros brasileiros estarem despreparados para lidar com as situações onde a morte é inexorável, ou faz parte do processo biológico da senectude, fica evidente pelo citado acima que não temos a menor estrutura básica para darmos dignidade ao últimos momentos de vida de nossos pacientes terminais.
Em nosso país há muito tempo já iniciamos a discussão sobre a eutanásia envolvendo figuras ilustres do mundo da jurisprudência, da filosofia, da religião e da bioética, em horas intermináveis de debates no rádio, televisão e na imprensa, mas reafirmo: esta discussão no Brasil, pela falta da mínima estrutura técnica, de pessoal da Medicina Paliativa e Terapia da Dor é extemporânea e sem pertinência.
Acredito que seja a hora de iniciarmos uma cruzada para que todos os seguimentos da nossa sociedade e em todos os níveis do governo haja um engajamento para construirmos uma consciência comunitária para darmos ao paciente terminal uma reposta técnica condizente à estas situações já existente nos centros médicos avançados e que as escolas médicas e de enfermagem incluam rapidamente em seus currículos as matérias de Medicina Paliativa e Terapia da Dor, caso contrário ficaremos em discussões pueris e vazias, enquanto isso nossos pacientes findam seus dias em trevas e ranger de dentes. Depois de encararmos e resolvermos o problema do sofrimento do paciente terminal, de modo técnico e científico o que dá um profundo sentido humanitário às nossas ações, aí sim poderemos iniciar as discussões sobre a eutanásia.
Parafraseando o Prof. Robert G. Twycross digo: "Sem o conforto do físico não há como confortar o espírito".
Fonte : http://www.terapiadador.com.br/medpal.html#conceitos
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